" A caridade é um exercício espirtitual... Quem pratica
o bem, coloca em movimento as forças da alma."
- Chico Xavier -
O pobre afortunado e o rico empobrecido.
Em uma determinada praça, encontrava-se um pedinte sentado à esmo com trajes sujos e bastante gastos. Apresentava, além das sequelas da vida, algumas feridas e exalava um odor nada agradável aos transeuntes. Tinha nas rudes mãos uma pequena vasilha de alumínio já gasta. Com ela fazia barulho com as poucas moedas até então ali depositadas. Entoava hinos religiosos de pouca percepção aos ouvidos alheios. Pedia a todos, e para todos restava o agradecimento, independente ou não de doação. Era invisível aos apressados, e quando notado geralmente à indiferença era “ungido”.
Uma senhora que desfilava com sua bela filha em trajes caros da moda, ao passar pelo ancião disse para sua menina após o incômodo do pedido de ajuda daquele ancião:
- Está vendo filha, este prefeito nada faz, e ainda por cima nos traz o infortúnio de conviver com estas coisas.
A filha olhou de soslaio e sentenciou empinando o nariz:
- Vamos mamãe, estes vagabundos já têm assistência do governo, não percamos tempo, tem uma sandália linda que eu vi no shopping e queria comprar.
Com desdém não conheciam ambas a caridade e humildade.
Em seguida passou um senhor que se “dispôs” a colocar a mão no bolso e retirar umas poucas moedas. Colocou-as apressadamente na vasilha suja, mas não tão rápido quanto recolheu a mão. Queria evitar o contato físico com o que o enojava. Saiu mais apressadamente ainda e nem respondeu ao agradecimento do pedinte. A consciência estava tranquila com o conselho episcopal que no domingo foi recebido.
Pouco tempo depois surgiu um edil que se aproximou e fez uma doação de cinco reais. No ato fez uma selfie e falou paro assessor postar nas redes sociais. Quem sabe sua caridade não lhe renderia alguns sufrágios no próximo pleito.
Uma quarta pessoa passava e parou diante das súplicas do farroupilha. Contou o vil metal que tinha e percebeu que talvez desse para desembolsar uns trocados que não lhe fariam falta nas cervejas do final da tarde. Fiz minha boa ação do dia pensou. A possível sobra não lhe faria falta.
Um jovem que passeava com a namorada pela praça, parou e começou a olhar para o velho. Tirou o casaco que estava a lhe proteger e fez uma doação. Ao partir falou para namorada que já estava pensando em comprar um novo casado e que aquele já não lhe tinha mais serventia.
Já estava entardecendo e a penumbra da noite já apresentava seus contornos de frio. O pobre senhor contava os vinténs quando viu um senhor de barba que se aproximava. Começaram então um diálogo ameno e suave.
- Quanto o amigo conseguiu juntar? Perguntou o visitante.
- Consegui onze reais senhor. Respondeu o pedinte.
- É muito? O amigo vai fazer o quê com este dinheiro?
- Para mim é o bastante senhor. Vou comprar duas sopas com pães naquele bar. É o que dá pra comprar, só não vai dá pra pagar a condução pra casa, eu moro muito longe.
-E amanhã como o amigo vai fazer?
- Não sei, quando acordar depois das preces eu pergunto a Jesus o que fazer com o novo amanhecer que ele me presenteou.
E a conversa continuava até que o visitante indagou:
- Por que o amigo falou em duas sopas, aguenta comer tanto?
- Até que aguento, desde ontem que não como nada. Mas a outra sopa é para o senhor, vejo que também está com fome. É pouco, mas não preciso de muito se vejo alguém que também precisa.
O barbudo após uma pausa falou:
- Não precisa amigo, você já me saciou com o alimento que tanto vejo em falta em seus pares. Seu espírito de luz embriaga a torpeza ainda incrustrada na humanidade.
O barbudo então em lágrimas lhe deu um beijo em cada face, passando-lhe as mãos pelas feridas expostas, e depois saiu lentamente com a leveza que o mendigo não sabia descrever.
- Quem é o senhor, bradava soluçando?
Com um sorriso indescritível e luz no olhar, o senhor respondeu:
Sou quem te escuta todas as manhãs, sou teu amigo, sou teu guia, sou teu irmão, sou tua luz. Muitos me chamam de Jesus, mas eu sou tão-somente o amor. E partiu...
Sem gratuidade não existe caridade, sem humildade não existe amor.
A CARIDADE É O BEIJO, O EGOÍSMO O ESCARRO!
A rua sem sonhos é deveras fria
E para tantos virou um triste lar
É uma prisão que a dor principia
A liberdade sem amor que faz chorar
A calçada não é cama, não é nada
Mesmo sendo tudo para quem nada tem
Da solidariedade que resta desprezada
Na empáfia que a muitos convém
O desprezo é o tédio do corpo
A caridade, a fome que acalma
O egoísmo faz o vivo parecer morto
A humildade, faz viva a alma
O sol quando surge ao amanhecer
Traz consigo manhãs diferentes
Uma solitária, por não ter o que comer
Outra solidão, por fartura indecente
O que nos torna mais humanos senão o afeto?
Mas o asfalto é o coração de quem não vê o próximo
Não percebe que o sentimento faz demasiado perto
E do ventre do amor não é filho pródigo
É muito difícil clarear paisagens
Ao coração que não sai do escuro
Porém levar amor é a melhor linhagem
Ainda que seja um grito mudo
Mas a rua não pode ser lar
Nem pode ser companhia a solidão
Quem dera o abraço distante de quem está a passar
Para ao partir deixar um coração
O verbo não consegue consolar
Quando nem mais a esperança alivia
E só a caridade que é o beijo de amar
Arranca o escarro da soberba enxovia