Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A Lua, tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel "
- Aldir Blanc e João Bosco -
A “alforria” dos embriagados.
- Tarcisio Bruno –
Era de novo sábado, e no bar de sempre o trio inseparável sentado à mesa. Novas histórias se repetiam como se fossem novidades. Futebol, política, mulheres e amenidades. O cardápio, mesmo recorrente, apresentava paladar distinto.
Jorge – casado -, como de costume, pediu saborosas costelas de porco. Queixava-se, como nunca, da dureza do patrão, da grana que não dava e dos ciúmes da esposa. O toque de seu celular interrompeu o divã adverso. Sua esposa, como de praxe, perguntava se tinha muita mulher no bar e se ele “ainda” iria demorar muito. Paulo e Chico não conseguiam segurar as gargalhadas. Não entendia ele a necessidade de algumas renúncias. “Garçom, traz mais uma Heineken por favor”.
Paulo – solteiro -, pediu filé com fritas. Tirava “onda” com seu time no topo da tabela. Falava tanta bobagem de um jeito tão sério que parecia ter realmente alguma importância. Contava “vantagens” com as paqueras da semana. Algumas, de forma perceptível, tão fantasiosas que não enganavam um adolescente em tenra idade. Chico e Jorge fingiam acreditar, não achavam interessante cortar o “barato” do amigo, vítima que já era de solidão contumaz e diária. Não obstante as companhias que vez por outra conseguia, estas não lhe deixavam nada além do que uma cama prazerosamente desforrada. Não entendia que os relacionamentos precisam de essência. “Garçom, mais uma saideira por favor”.
Chico – divorciado -, era mais polido. Quase nada pedia, observava muito, escutava demais e falava pouco. Suas intervenções eram cirúrgicas. Era uma espécie de arrimo aconselhador. Mais também tinha problemas que pouco fazia revelar. O que melindrava não era a imaturidade dos amigos, mas a percepção de que já tinha respostas para seus erros voluntários e involuntários. Não entendia que o que lhe faltava mesmo era coragem para se decidir. “Garçom traz outra saideira e a conta”.
Estavam deveras animados, permaneceriam ali um tríduo subsequente se possível fosse. Mas a realidade fugada sempre volta. Restaria a alegria de sempre.
De certa forma eles se encontravam alforriados naquele momento. Porém tudo era efêmero, e não percebiam que estavam livres em reclusão instantânea.
Jorge retornaria ao lar. Ouviria alguns pequenos desaforos, mas já tinha compreendido que o silêncio naquela oportunidade era bastante eloquente.
Paulo, procuraria, na agenda do celular, alguma amiga que estivesse disposta a continuar a balada alhures ou bagunçar seus lençóis.
Chico voltaria para solidão costumeira de seu apartamento. Colocaria um CD do xará Buarque, abriria um bom vinho e encheria taças até o sono chegar.
A vida seguia seu ritmo, cada um dos três com sua dança. No fundo se completavam de tal forma que o trio era uno.
No próximo sábado haveria um novo encontro, com novas histórias velhas, os mesmos tira-gostos e o prazer imensurável que tem as verdadeiras amizades.
Todos pegaram um táxi, neste contexto a sobriedade ainda reinava.
Se beber não dirija!