A beleza se revela nos olhos do jardineiro.
“ Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas.
Tanto mais belas quanto mais antigas...”
- Bilac –
Estava caminhando no parque para ouvir música (sim, caminho para o som, não para o físico) e deparo-me com a beleza ímpar deste ipê com sua grinalda rosa de encantamento. Um casal passa após eu realizar a fotografia, e escuto quando ela diz para o companheiro: “Como está sujo o parque”. Aquela assertiva me causou tristeza, como se fosse um vinil arranhado distorcendo o mais belo som. Tive vontade de correr para pedir a administração do parque que jamais fizesse a “limpeza” das folhas caídas. Ainda bem que o local se mantém “sujo”. Não disse nada para a mulher que viu sujeira no belo, nem poderia, mas gostaria muito que ela chegasse a ler essas poucas palavras que se seguem...
Ângelus Silésius disse:
“Temos dois olhos: com um, vemos as coisas que no tempo existem
e desaparecem. Com o outro, as coisas divinas, eternas, que para
sempre permanecem”
E é assim que funciona nosso espírito diante da beleza. Alguns, são cegos, outros vivem e sentem (a melhor maneira de ver). O encantamento surge nas árvores de uma estrada durante uma viagem chamada vida. Muitos pessoas passam tão rápidos e desapercebidos, que sequer notam as folhas, os frutos e as flores. Poucos, ao revés, sentem, muitas vezes de olhos fechados, a sensibilidade do toque, o sabor do beijo e a fragrância da pele.
Continuei minha caminhada pelo parque, afinal de contas música e alma precisam de sua solidão. E são nestes momentos solitários de contemplação que a inspiração provoca o verbo. Olhando as folhas caídas no chão, vi a metáfora do outono da vida. Cada folha era um momento que vivi, um livro guardado na estante da memória, com suas letras de lágrimas e sorrisos, com seus aprendizados e ensinamentos. As folhas que ainda permanecem no alto são o futuro, os dias que ainda poderei viver, sabendo que elas, as folhas, irão cair, e que é preciso saber receber e viver a melhor brisa que nos leva ao chão. As estações mudam, e é preciso saber que há o tempo do fim. Até lá tenho que viver com esperança e amor, pois o pouco tempo que resta é uma eternidade... e o eterno está nos melhores segundos.
Todavia é necessário também saber esquecer algumas folhas, guardando o ensinamento, jamais a lembrança. E isso ocorre naturalmente quando a gente se permite se livrar dos grilhões de dor, porque só deve ficar a tatuagem que faz sorrir. Como disse Adélia Prado, “Aquilo que a memória amou fica eterno”. É muito salutar também aprender a se livrar de muitas amarras, desaprender é um caminho de apredizagem, por mais paradoxo que pareça ser.
Então seja jardineiro (a) de seu tempo e jardim, contemple as árvores e o belo, faça do tapete das folhas caídas uma passarela para o amor. Seja poeta, beije com os melhores versos, e acredite que o filme vale a pena não pelo fim, mas pelo que você fez durante toda a trama. Vamos viver um filme?
PARÁBOLA DO SEMEADOR DE VERSOS
Corro solitiário para ti,
órfão de teu beijo,
inundando-te talvez de vã poesia.
Cônscio destas rimas ofereço tudo,
mesmo sabendo que nada tenho.
A ferro e fogo sobrevive a alma,
em assomo que é a metáfora
do amor que se faz talvez desesperança.
E estes versos que são sementes,
são jogados de saudade em saudade
para vencer pedras, sol e espinhos...
Germinando o amor em parábola,
ainda que melindre mansa voz,
faço derrota teu silêncio.
Pois tua boca fechada,
mesmo que oculte os mais belos lábios,
não consegue esconder
teus olhos a sorrir!